quarta-feira, 18 de junho de 2014

O Toxicodependente



Tomás era jovem.
Tinha a vida pela frente, mas a morte ao seu lado.
A percorrer-lhe as veias.
Enquanto escrevo sobre ele, deve estar a morte a percorrê-las.
Ele namorava-a; Ele chamava-a de heroína.
Heroína? Que ironia...Os heróis levam-nos para longe do abismo, mas a sua heroína empurrou-o para ele.
Não duvido que o deixa-se leve, pois ela sugava-lhe a alma.
Deixava-o petrificado.
Apenas um corpo mole, natureza mais morta que viva.
Ele amava-a; Ela? Acho que não.
Que raio de amor nos empurra do precipício?
Ele roubava para ela.
Ele vendia-se para ela.
Ele fazia tudo por ela, julgando que ela fazia tudo por ele.
Pobre Tomás.
Iludido.
Sempre.
Enquanto ele julgava que ela o fazia viver, ela matava-o, a cada dia, um pouco mais.

sábado, 17 de maio de 2014

Noite Lisboeta



Estava nas águas furtadas de um prédio antigo, na baixa Lisboeta.
Olhava pela janela. Via sombras vaguearem pela rua estreita de sentido único.
Fumava um cigarro que carbonizava todas as ideias transformando-as em fumo e pó.
A janela estava fechada. O espaço ficava inundado por um nevoeiro quente e cinzento.
Não havia metáforas nem hipérboles, eu dava ao assassino o poder e a permissão para me matar um pouco mais a cada dia que passava.
Ao fundo um gira discos antigo percorria as linhas corporais de um vinil poeirento. A música era calma.
A meu lado erguia-se a sombra de uma garrava de tinto e um copo com um beijo meu.

Olhei a rua de novo.
Estava uma noite lívida, não obstante bonita.
Olhei o céu.
As estrelas queimaram-me os olhos e a lua rasgou-me a pele.
E eu deixei.


domingo, 4 de maio de 2014

Sonhando intensamente


E de repente o mundo gira e roda
E tudo em teu redor muda de posição.
O teu olhar perdido denuncia o medo.
O medo de te perderes.
Um dos teus maiores.
Ao fundo já não há luz
E a estrada foge-te dos pés.
Ficas a flutuar, mexendo os braços para não caíres.
Sem efeito. Começas a cair.
O teu corpo embate na massa azul do Oceano Pacífico.
Sentes a água invadir-te o corpo.
Um tubarão aproxima-se.
Nadas, nadas, nadas! Esforças-te para chegar a terra firme.
Não abres os olhos, nadas apenas.
Embates na areia e finalmente dás luz ás tuas pupilas dilatas.
O tubarão já havia desaparecido.
Olhas em teu redor e vês um paraíso selvagem.
Tentas correr para dentro dele e não consegues.
As pernas pesam e não as consegues mover com a rapidez desejada.
Prendem-se a ti.
Entras em pânico.
De repente encontras-te deitada na cama, acabada de acordar, pronta para mais um dia de trabalho.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Olá, chamo-me morte e tu?



És fogo negro que arde em mim
Feitiçaria oculta feita à luz das velas
Vestes um manto carmim
E passeias nas vielas

Vens em silêncio até aqui
Agarras-me e levas-me
Luto! Luto! Luto! Luto contra ti
Fazes força e puxas-me

A tua respiração na minha ou vice-versa
Inspiras pela boca e sugas-me a alma
Fá-lo lentamente, sem pressa
Já perdi a esperança, mas ganhei calma

Apesar de lenta, a dor escolhe a abstinência
Já me entreguei: alma e corpo
Talvez sem consciência
De que já sou ser morto

domingo, 30 de março de 2014

A arte de sedução



Fumas o teu cigarro com toda a tua elegância.
O teu olha envolvido pelo fumo carbonizado, que ascende como todo o ar quente, torna-se ainda mais misterioso.
É isso. O teu olhar.
Não é a tua íris azul esverdeada.
Não é o teu branco como cal.
Não são as veias visíveis no canto dos olhos.
É o olhar.
A forma como olhas.
Como semi-cerras os olhos.
Como sorris com os olhos.
E o cigarro.
O cigarro dá-te um ar que nenhum fumador adquire ao fumar.
Só tu tens essa magia carbonizada.
Fumar não te mata, fumar dá-te vida.
Dás um gole no teu café.
A forma como bebes é viciante.
Aquela marca de café que deixas na chávena.
É viciante imaginar o café percorrer o teu corpo.
Imaginá-lo a descobrir a tua boca.
O café, o cigarro e o olhar.
As tuas armas de sedução.
E se não as usas como tal tem cuidado, partir-se-ão muitos corações.
Soprei.
Desapareces-te.

Amar e ser jardim


Amar ninguém e toda a gente,
Ser de todos e não pertencer a ninguém.
Amar por amar
e amar por não amar.
Ser tudo e ser nada,
mas ainda assim ser alguma coisa.
Viver sem sobreviver,
ao invés de sobreviver sem viver.
Ser arte ou animal,
ou ser animal artístico.
Alimentar a alma e não a carne;
a alma é eterna, a carne efémera.
Não ser flor, mas sim jardim.
- Hum que cheiro agradável.

terça-feira, 4 de março de 2014

Sou livre!

Sou livre.
Sou livre porque não tenho a mente moldada para as convenções sociais.
Sou livre porque vivo na antiga Grécia, porque vivo numa tribo índia, porque vivo numa utopia mental.
Sou livre porque sou filha do mundo!
Sou livre porque não vivo fechada em tabus nem preconceitos nascidos na Idade Média.
Sou livre porque tenho a minha fé, os meus ideais, as minhas crenças e não me meto num saco de rótulos.
Sou livre porque sou mustang,  pássaro, Pégaso, unicórnio, leão, tigre e tudo o mais.
Sou livre porque sou musa, Ninfa, Tágide e todas as outras personagem mitológicas.
Sou livre porque nada me define, nem deixo que me definam.
Sou livre porque eu tenho o mundo em mim.
Sou livre porque penso por mim e a minha cabeça não serve de jardim aos pensamentos dos outros mas sim aos meus.
Sou livre porque sou selvagem! Sou livre porque esta loucura que me deram me liberta!
Sou livre!
Sou louca!

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Sem despedida

Foi bom.
Recordei o teu olhar, o teu sorriso, o teu rosto.
Gravei de novo os teus traços.
Alguns pormenores já havia perdido.
Mas a ti que te importa?
Preferias que me tivesse esquecido de ti.
Perdoa a minha falta de jeito para a arte de esquecer.
Mas assim lembras-te também de mim.
Desculpa se ainda sorriu-o quando te vejo.
Se ainda te procuro com o olhar.
Em breve partirei,
sem te dizer adeus.
Espero que não guardes rancor,
que eu também não guardei por não te teres despedido de mim.


domingo, 2 de fevereiro de 2014

Sonhos que voam baixinho

Já sonhei muito e nada concretizei.
Já perdi horas de estudo a planear o futuro.
Mas o que é o futuro afinal?
Mera ilusão do cosmos, digo eu.
Não passa de um tempo verbal que conjugamos apenas para iludir a mente.
Se disso apenas não se tratasse, seria previsível.
O futuro é um misto de presente com o desejo do mudar.
É apenas o desejo de concretizar sonhos.


domingo, 19 de janeiro de 2014

Já sou espírito sem corpo



Uma palavra sem sentido
Um tiroteio de sentimentos
Um amor perdido
Uma rotura de ligamentos

O coração rasgou
Na ausência da solidão
A confusão regressou
Trazendo a escuridão 

Um cinzeiro cheio
Do que alimenta a alma
O cigarro fica a meio
Já não me acalma

Para mim já não existe copo
Engulo logo a garrafa
Já não existe corpo

Já tudo passa


Seremos felizes

A vida são curvas sublimes numa estrada com altos e baixos, numa calçada esburacada, maltratada com desprezo pelo antigo que a tudo temos de agradecer pelo novo. São meras fotografias espalhadas numa sala, sem dono, sem significado, que apenas têm vultos ou paisagens banais.
É a monotonia de acordar e adormecer todos os dias, e o único ponto de viragem, neste enredo monótono é quando adormecemos sem voltar a acordar, é a morte. Talvez soe um pouco sádico, talvez o seja até, mas a verdade é que não mo podem negar.
Tudo o que acontece neste mundo, será apenas memória no outro, o outro onde somos crianças libertas na alegria dos campos verdes e coloridos pelo pólen primaveril. Seremos almas sem corpo, leves e claras como a água cristalina de um riacho. Seremos imortalmente felizes, sem medo do amanhã e sem conflitos com o hoje, não teremos complexos porque jamais veremos imagem alguma do nosso ser refletida em qualquer superfície.

Seremos apenas nós, meros vagabundos solitariamente felizes, cantando músicas de embalar ao vento. Seremos felizes

domingo, 5 de janeiro de 2014